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Rondonopolis, MATO GROSSO, Brazil
O mar para atravessar, o Universo para descobrir, as pirâmides para medir. Tudo existia menos a trigonometria. Construíram-se triângulos, mediram-se ângulos, fizeram-se cálculos e quem sonharia que à Lua se iria? Flor, fruto... Sucessão da natureza. Dois, quatro... Sucessão de Matemática. Quem gosta de Matemática tem de gostar da Natureza. Quem gosta da Natureza aprenderá a gostar da Matemática. O chá arrefece com o tempo, as plantas florescem com o tempo, a Matemática aprende-se com o tempo, a vida vive-se com o tempo. O que é que não é função do tempo? Eram formas tão perfeitas, que na Matemática já tinham uma equação. A sua beleza e harmonia levaram-nos do plano para o espaço e também ao nosso dia-a-dia. Quanto tempo gastou Arquimedes para desenhar retângulos cada vez de menor base, até chegar à área de uma curva? Arquimedes, Arquimedes, que paciência a tua. mas mostraste ao mundo que a Matemática ensina não a dizer: não sei mas a dizer: ainda não sei. Trigonometria, Álgebra e Geometria, tudo junto para complicar. Mas as relações são tão interessantes que até dá gosto estudar. Matemática para que serves? Para dar força e auto-confiança.

Pesquisas Educacionais

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Concepções e Práticas Discursivas do Professor de Matemática: Um Estudo de Caso (1)

 

Luís Menezes

Área Científica de Matemática - Escola Superior de Educação de Viseu

Introdução

Este texto, que se enquadra nas comemorações do 2000 - Ano Mundial da Matemática, tem por desiderato relatar o trabalho de investigação, conduzido com o objetivo de estudar, de uma forma inter-relacionada, as concepções dos professores de Matemática, relativas ao ensino e à aprendizagem, e as suas práticas discursivas na sala de aula

Este final de milénio está a ser pródigo em grandes mudanças na nossa sociedade e também na Educação. Desde os anos oitenta, e depois por toda a década de noventa, movimentos de reforma têm ocorrido no ensino da Matemática (APM, 1988; Cockcroft, 1983; NCTM, 1980, 1991, 1994; NRC, 1989). Estes movimentos têm por base uma nova visão do que deve ser o ensino e a aprendizagem da Matemática. Este conjunto de novas ideias, que pressupõem diferentes finalidades do ensino da Matemática, tem subjacentes novos enquadramentos metodológicos, diferentes papéis para o professor e para o aluno e novas formas de avaliação. A preparação para uma sociedade a entrar num novo milénio, pleno de novos desafios, impõe uma nova forma de pensar a educação. Mais do que informar, cabe à escola formar pessoas capazes de se adaptarem a uma sociedade cada vez mais exigente e em mutação mais rápida. Nesta linha, a grande ideia veiculada nas Normas (NCTM, 1991) e depois complementada nas Normas Profissionais (NCTM, 1994) é o desenvolvimento do "poder matemático" do aluno. Esta ideia de dotar o aluno de ferramentas que lhe permitam uma abordagem mais conseguida da realidade, passa pela valorização de quatro aspectos considerados fundamentais: (i) a resolução de problemas; (ii) a comunicação; (iii) o raciocínio matemático; (iv) as conexões (NCTM, 1991).

Focando a nossa atenção na vertente do ensino, damos conta que as práticas dos professores têm uma forte componente de linguagem. Estas práticas estão muitas vezes embebidas das visões e dos valores dos professores, de entre outras, sobre o lugar da linguagem e da comunicação no ensino e na aprendizagem da matemática. A linguagem da aula de matemática, além das concepções dos professores, é influenciada por outros factores, como sejam as aprendizagens anteriores dos alunos, o nível sócio-cultural e a formação de professores.

Na aula, professor e alunos desempenham papéis diferenciados, para os quais contribuem formas de agir deliberadas, que variam consoante o modelo de ensino/aprendizagem preferido. As tarefas propostas influenciam e são influenciadas pela linguagem da aula.

O reconhecimento da importância do professor na praxis educativa tem sido acompanhado por um aumento do volume da investigação que toma este último como objecto de estudo. O estudo das concepções e das práticas dos professores de Matemática tem merecido uma atenção especial no seio da comunidade de educadores matemáticos (Canavarro, 1993, 1994; Delgado, 1993; Gattuso e Mailloux, 1994; Guimarães, 1988; Menezes, 1995, 1996, 1998; Ponte, 1992, 1994a, 1994b; Ponte et al. 1998; Ribeiro, 1995; Thompson, 1982, 1984, 1992). O interesse pelo estudo das concepções deriva de se reconhecer que estas desempenham um papel importante no pensamento e na acção dos professores (Carrillo e Contreras, 1994; Ponte, 1992, 1994a, 1994b, 1994c; Thompson, 1984, 1992). Gimeno (1991), a propósito da relação entre a teoria e a prática, sublinha a importância das concepções na tomada de decisões do professor.

Embora a acção do professor na aula seja multifacetada, a linguagem assume um papel fundamental, pois, como sublinha Stubbs (1987), ela é uma realidade central e dominante nas escolas e nas aulas. A importância do estudo do discurso oral da aula de Matemática advém do relevo que a linguagem desempenha na interacção comunicativa, aspecto que também é reconhecido nas Normas Profissionais para o Ensino da Matemática, do NCTM (1994). Segundo o mesmo documento, o interesse do estudo das práticas discursivas do professor assenta na seguinte argumentação: "O discurso na aula de Matemática reflecte o que significa saber Matemática, o que torna algo verdadeiro ou razoável e o que implica fazer Matemática; é portanto de importância central quer a respeito do que os alunos aprendem acerca de Matemática, quer a respeito de como aprendem" (NCTM, 1994, p. 57).

A pertinência do estudo da pergunta no contexto do discurso do professor de Matemática está baseada em dois pressupostos fundamentais: (i) A pergunta corresponde a um acto de fala largamente utilizado pelo professor; (ii) A pergunta mostra ter potencialidades ao nível da promoção das interacções verbais, na medida em que corresponde a uma solicitação de intervenção.

O estudo da formulação de perguntas pelo professor de matemática insere-se no contexto mais geral da Comunicação na Sala de Aula e é subordinado a este último tema que nos interessa o estudo do primeiro.

Questões da investigação

Esta investigação procurou responder ao seguinte problema: Que relações existem entre as concepções do professor sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática e o seu discurso — ao nível do questionamento — na sala de aula? Este problema subdivide-se em diversas questões:(1) Quais as concepções dos professores sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática? (2) Que importância conferem os professores ao questionamento na aula de Matemática? (3) Que tipo de perguntas formulam os professores nas aulas e como se enquadram nas suas práticas? (4) Quais os efeitos das perguntas dos professores na participação dos alunos nas aulas? (5) De que forma as concepções dos professores se relacionam com o tipo de questionamento que utilizam?

Metodologia

Nesta investigação optou-se pela realização de estudos de caso qualitativos. A opção por esta abordagem à investigação assentou em três razões basilares: (a) Pretende-se estudar um problema de contornos pouco definidos, que envolve uma grande complexidade de factores; (b) O investigador não possui qualquer tipo de controlo sobre a situação; (c) Pretende-se estudar uma realidade de forma aprofundada, onde o factor descoberta é importante.

A realização de dois estudos de caso, considerando cada professor um "caso", está intimamente relacionada com a unidade de análise escolhida — o professor. Yin (1989) refere que a identificação da unidade de análise depende do problema da investigação. Aquele autor acrescenta que para se poderem comparar os resultados com os de investigações anteriores, é crucial definir unidades de análise e, consequentemente, casos similares. Como exemplo de investigações que consideraram o professor como unidade de análise, pode apontar-se: Thompson (1982, 1984), Canavarro (1993), Delgado (1993), Vale (1993), Carrillo e Contreras (1994) e Ribeiro (1995).

Participantes

Para este estudo, decidiu-se seleccionar dois professores do 2º Ciclo do Ensino Básico da região de Viseu, com mais de 5 anos de serviço. A opção pelo 2º Ciclo fica a dever-se a duas ordens de factores; primeiro, porque grande parte dos estudos realizados em Portugal neste domínio têm incidido no 3º Ciclo e no Secundário. Como, por um lado, as questões se colocam de uma forma diferenciada por níveis de ensino e, por outro, porque as concepções dos professores não são homogéneas (Ponte, 1992), considerou-se ser importante situar a investigação neste nível. A segunda razão, está directamente relacionada com o facto de o investigador já ter leccionado neste nível de ensino, tendo com ele maior afinidade.

A condição de que os professores tenham mais de 5 anos de serviço neste nível de ensino, advém de se pretender que o professor conheça bem os programas, tenha já leccionado os dois anos (5º e 6º) e tenha também tido o tempo necessário de reflectir sobre as suas práticas.

Os professores seleccionados foram informados de que o investigador teria um estatuto de observador não participante e que não se pretendia julgar o seu trabalho. Foi-lhes também dito que da investigação resultaria um documento escrito, em que os nomes verdadeiros dos professores seriam substituídos por nomes fictícios, de forma a manter o total anonimato. Os professores aparecem, mais à frente, designados pelos nomes Pedro e Mariana.

Instrumentos

Como fontes de evidência para este estudo optou-se por entrevistas, observação/gravação de aulas e análise documental.

Ao longo da investigação realizaram-se duas entrevistas longas; uma no início e a outra no fim das observações. A primeira serviu para apresentar o professor e conhecer a sua opinião sobre questões que se prendem com o ensino e a aprendizagem da Matemática. A última entrevista, que aconteceu depois de a redacção do caso estar numa fase adiantada e de ter sido lido pelo professor, destinou-se à discussão do mesmo. A mediar estas entrevistas, e semanalmente, foram feitas outras, de média duração, com o objectivo de, por um lado, analisar as últimas práticas e, por outro, perceber as relações entre estas últimas e as concepções. Foi através deste tipo de entrevistas, da observação das práticas e da recolha de materiais, que se pretendeu aceder às concepções dos professores, intimamente ligadas às suas práticas — as concepções activas. Procurou-se conhecer as crenças, as visões, as razões das escolhas que o professor faz na sua aula. Além de reflectir sobre as aulas passadas, pretendeu-se discutir com o professor a planificação para a aula seguinte, analisando a importância que o professor lhe confere. As entrevistas foram audio-gravadas e posteriormente transcritas.

As observações realizadas neste estudo têm um registo escrito e um registo audio. O registo escrito pretende dar conta de acontecimentos que ultrapassam a dimensão sonora e servem, sobretudo, como base de trabalho para as entrevistas intermédias. Neste sentido, o guião de observação permite orientar o observador para os aspectos que se consideram o foco da investigação.

Neste estudo, a análise documental é utilizada como uma técnica de recolha de dados complementar à entrevista e à observação. Foram recolhidos documentos produzidos ou utilizados pelos professores nas aulas, tais como: fichas de trabalho, fichas de avaliação, problemas e actividades do livro. Num dos casos, porque o professor é delegado de Matemática, recolheram-se também algumas planificações a médio prazo, do 5º e do 6º anos.

Procedimentos analíticos

As transcrições das entrevistas e das aulas gravadas foram feitas em folhas A4, nas quais foi deixada uma margem de 4,5 cm, do lado direito, para anotações. Considerou-se pertinente, mesmo durante a fase de transcrição, ir registando nesse espaço, alguns comentários de acordo com aspectos que tinham sido identificados previamente. Este procedimento mostrou-se produtivo, pois a análise a partir do registo sonoro e do registo escrito, foi permitindo perceber melhor o sentido que os participantes do estudo atribuíam às coisas. À medida que as aulas iam decorrendo (observadas e gravadas) e as entrevistas ao professor eram feitas, procedia-se às respectivas transcrições e a uma primeira análise, de forma a orientar as observações seguintes e a fornecer material para análise nas conversas (formais e informais) com o professor. As conversas informais, na sala dos professores, nos percursos entre as salas, nos momentos que antecediam e sucediam as aulas, foram registadas por escrito, tendo-se mostrado de grande utilidade para a investigação.

Depois dos dados recolhidos, foi feita uma primeira leitura geral, à qual se seguiram outras mais circunstanciadas, de acordo com as categorias de análise definidas. Tanto as notas de campo como as transcrições das aulas e das entrevistas foram analisadas recorrendo ao que Bogdan e Biklen (1994) chamam de "auxiliares visuais", como circundar palavras-chave, sublinhar termos que os professores utilizavam com mais frequência, criar tabelas para melhor apresentar as categorias.

Para a análise dos dados foram definidas várias categorias que tiveram o embrião no problema e na revisão teórica, mas que ganharam corpo com o início da recolha de dados. As categorias de análise têm como finalidade:

— Descrever e analisar as práticas do professor;

— Classificar as perguntas do professor e descrever as consequências das mesmas na participação dos alunos;

— Descrever e analisar as concepções relativas ao ensino e à aprendizagem da Matemática.

Em relação aos dois primeiros pontos consideraram-se as seguintes categorias:

— Situações de aprendizagem (tarefas/actividades e meios; papel do professor; papel do aluno);

— Discurso da sala de aula (papel do professor e do aluno; a pergunta no discurso do professor: tipo de perguntas; efeitos das perguntas na participação dos alunos).

No segundo ponto — perguntas do professor — com base nas classificações de Barnes (1969), Searle (1984), Ainley (1988) e Pereira (1991) e a partir de uma primeira análise dos dados recolhidos nesta investigação, estabeleceram-se diversas categorias. Para isso, adoptaram-se os seguintes critérios: (i) estrutura linguística do enunciado; (ii) presença ou ausência de expectativa de resposta verbal; (iii) domínio dos conteúdos; (iv) objectivos da resposta. Apresenta-se de seguida o quadro geral da classificação proposta.

Relativamente aos enunciados com estrutura interrogativa (frases interrogativas) e com base no segundo critério — expectativa de resposta — criaram-se duas sub-categorias:

— Perguntas verdadeiras;

— Falsas perguntas.

Na primeira, incluíram-se as frases interrogativas que correspondiam a uma solicitação do locutor (neste caso o professor) ao alocutário (aluno) para lhe fornecer, verbalmente, uma determinada informação.

Nas falsas perguntas, incluíram-se as frases interrogativas que não faziam pressupor que o locutor esperasse uma resposta verbal do alocutário, porque o professor dava a resposta imediatamente ou porque as frases correspondiam a pedidos indirectos de acções a realizar pelo aluno.

Com base nos critérios seguintes — domínio dos conteúdos e finalidade da pergunta — subdividiram-se as duas categorias em diversas subcategorias (Ver Quadro 1 em anexo).

A pergunta teste é usada pelo professor para saber se um aluno está na posse de uma determinada informação, isto é, tem como finalidade controlar conhecimentos relativos a conteúdos tratados em aulas anteriores ou na própria aula. Tal como anota Pereira (1991), estas perguntas surgem com frequência no início da aula e, através das mesmas, o professor pretende que os alunos relembrem determinados conceitos. Normalmente, o sumário de uma aula, que é escrito no início da aula seguinte, serve de enquadramento a estas questões do professor.

Outras vezes as perguntas teste surgem ou no final da aula, ou no meio, quando o professor pretende mudar de assunto.

As perguntas reais são usadas pelo professor para obter uma informação de que não dispõe, sobre um determinado tópico da disciplina que lecciona, sendo pouco frequentes nas aulas.

As perguntas de desenvolvimento são usadas pelo professor para apresentar novos tópicos de Matemática, visando desenvolver determinadas capacidades nos alunos. Estas perguntas, quanto ao tipo de resposta que o professor espera, foram subcategorizadas como perguntas convergentes ou perguntas divergentes.

As perguntas convergentes conduzem a respostas curtas, de conteúdo muito previsível e com pouca liberdade para o aluno. Normalmente, este tipo de perguntas faz bastante apelo à memória do aluno e traduzem-se, muitas vezes, em respostas do tipo "sim" ou "não". Muitas das perguntas convergentes têm a mesma forma das perguntas teste, mas inserem-se noutros contextos de aula e têm diferentes objectivos que não o controlo de conhecimentos.

As perguntas divergentes implicam que o aluno, apresente a sua opinião, a partir dos dados de que dispõe. Estas perguntas conduzem, com frequência, a situações de discussão na sala de aula porque a resposta não corresponde à esperada pelo professor ou porque outros alunos intervêm no sentido de apresentarem as suas opiniões.

As perguntas enfatizantes são usadas pelo professor para centrar a atenção do aluno num determinado aspecto que considera importante, inserindo-se em períodos da aula em que o professor está a fazer uma apresentação ou a dar uma explicação.

As perguntas reacção correspondem a enunciados que traduzem reacções directas do professor a respostas ou opiniões dos alunos, evidenciando a admiração deste perante afirmações daqueles, ou tendo como finalidade levá-los a reflectirem sobre as suas respostas. Incluíram-se nesta categoria as perguntas reformuladas, as perguntas eco e as perguntas reguladoras, tal como as define Pereira (1991).

As perguntas de asserção são enunciados com uma estrutura interrogativa, sucedidos de asserções do professor, que procuram, somente, ganhar a adesão dos alunos para a ideia que acaba de ser apresentada. Este tipo de enunciados do professor não supõe qualquer resposta dos alunos traduzindo-se, frequentemente, num "sim" mecânico dado por vários elementos da turma.

As perguntas de realização são enunciados que, embora assumindo uma forma linguística interrogativa, visam um determinado comportamento não verbal do aluno e veiculam informação sobre o modo como as acções devem ser realizadas.

Quanto aos conteúdos que não são do âmbito da Matemática, de acordo com a finalidade das perguntas, consideraram-se relevantes as categorias que a seguir se apresentam.

As perguntas funcionais correspondem a solicitações de informação relativas ao processo de ensino-aprendizagem ou referentes ao próprio aluno. São perguntas que o professor formula de maneira a obter as informações necessárias ao funcionamento da aula.

As perguntas interdisciplinares, constituem perguntas verdadeiras com o intuito de obter informações relativas a diversos domínios do saber e que, de alguma forma, se relacionam com o tema que está a ser estudado na aula de Matemática.

As perguntas disciplinares correspondem a frases formuladas interrogativamente e pretendem provocar uma acção/resposta não verbal do aluno. Estes enunciados prendem-se com situações de índole disciplinar, isto é, com infracções por parte do aluno a um conjunto de regras definidas pelo professor.

As perguntas de actuação constituem solicitações de acção, por parte do professor, de uma forma indirecta, e que não têm a ver com questões de índole disciplinar.

Para a análise das concepções dos professores, relativas ao ensino e à aprendizagem da Matemática, e com base nos critérios definidos por Thompson (1992) e Carrillo e Contreras (1994), estabeleceram-se as seguintes categorias:

— Objectivos do ensino da Matemática;

— Visão da aprendizagem;

— Situações de ensino-aprendizagem:

— Tarefas/actividades e meios

— Papel do professor

— Papel do aluno

— Avaliação.

Principais Conclusões do Estudo

 As conclusões que a seguir se apresentam procuram responder a cada uma das questões do estudo. No entanto, e tendo em consideração o problema formulado e a metodologia empregue nesta investigação, estas conclusões não pretendem ser generalizáveis aos professores que leccionam Matemática neste nível de ensino, isto é, não se procura que estes casos sejam empiricamente representativos de uma determinada população.

 Concepções sobre o Ensino e a Aprendizagem da Matemática

 Os professores estudados evidenciam dois tipos de concepções sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática: concepções explicitadas em termos abstractos e não referidas a situações concretas de ensino-aprendizagem — concepções manifestadas — e as concepções que se reportam às suas práticas, isto é, aquelas que estão contextualizadas num dado momento e num dado local — concepções activas (Ponte, 1992). O grau de consistência entre as concepções manifestadas e as concepções activas é diferente nos dois professores deste estudo. O Pedro manifesta sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática um conjunto de concepções que depois, perante situações da sua prática, não activa, isto é, o pensamento que resulta da sua prática apresenta, em alguns aspectos, pontos divergentes das suas concepções manifestadas. A Mariana revela uma maior aproximação entre as concepções manifestadas e as suas concepções activas, facto que se traduz no recurso frequente a situações extraídas das práticas para ilustrar as suas ideias sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática. Esta professora tende a discutir as questões que se prendem com o ensino e a aprendizagem da disciplina a partir das suas práticas.

De seguida, procura-se discutir as concepções do Pedro e da Mariana, a partir das suas práticas, relativamente aos seguintes aspectos: (1) objectivos do ensino da Matemática; (2) visão da aprendizagem; (3) situações de en-sino-aprendizagem; (3i) tarefas/actividades e meios; (3ii) papel do professor; (3iii) papel do aluno.

Objectivos do ensino da Matemática. As concepções dos professores estudados, sobre os objectivos do ensino da Matemática, apresentam traços bastante diferentes. O Pedro valoriza a aquisição de conhecimentos que tornem o aluno capaz de resolver os problemas do seu dia-a-dia. À escola, e neste caso à Matemática, compete fornecer ao aluno as ferramentas conceptuais necessárias à vida quotidiana. Este professor sublinha também a necessidade da disciplina de Matemática dotar os alunos de um leque de conhecimentos que lhes permitam prosseguir os seus estudos com sucesso. Esta segunda grande finalidade vinculada ao ensino da Matemática, traduz um fim em si mesmo, isto é, ensina-se Matemática para facilitar o ensino subsequente de mais Matemática. Este objectivo do ensino da disciplina é também assinalado nos professores estudados por Delgado (1993) e por Canavarro (1993).

De modo diferente pensa a Mariana, ao considerar que a grande finalidade do ensino da Matemática é o desenvolvimento de capacidades nos alunos, complementada com a aquisição dos conhecimentos. Preparar os alunos para que estes sejam capazes de pensar e exprimir, perante os outros, as suas ideias, é o grande objectivo que esta professora preconiza para o ensino da disciplina, havendo lugar para o destaque de duas capacidades: (i) comunicação; (ii) raciocínio. Esta professora pensa que centrando o ensino no desenvolvimento destas duas capacidades, está a contemplar o desenvolvimento de outras, e também de atitudes e de conhecimentos. Resolver problemas parece ser mais meio do que uma finalidade do ensino, ou seja, esta professora defende um ensino por resolução de problemas, tal como o concebem Schroeder e Lester (1989).

Os conhecimentos que vêm referenciados nos programas funcionam como pano de fundo do desenvolvimento das capacidades dos alunos. É por este motivo que a Mariana não confere especial destaque às mudanças de conteúdos que os novos programas de Matemática instituíram, já que não é isso que é verdadeiramente importante. Todavia, a professora considera as alterações de conteúdos positivas pois, no seu entender, correspondem a uma tentativa de estabelecer uma maior ligação entre a Matemática e a realidade.

Visão da aprendizagem. O Pedro acredita que a aprendizagem dos alunos é um processo apoiado em conhecimentos prévios e que decorre de uma forma sequencial. A realização dos testes-diagnóstico insere-se nesta necessidade de verificar os conhecimentos anteriores dos alunos, considerados fundamentais para as novas aprendizagens. A Mariana apresenta uma outra visão da aprendizagem da Matemática que é coerente com os objectivos que aponta para o seu ensino. Não enfatiza a aprendizagem dos conteúdos, valorizando o desenvolvimento de atitudes e de capacidades. A principal diferença entre a forma como cada um dos professores cria/adapta as tarefas que propõe aos alunos, reside no fim que tem em mente. O Pedro subordina essa escolha aos conteúdos a tratar, enquanto a Mariana organiza as tarefas tendo o aluno como foco imediato. Por esse facto, a aprendizagem não é, para esta professora, um processo que possa ocorrer no isolamento, de uma forma individualizada. Pelo contrário, defende que aprender é um acontecimento social resultante da interacção entre alunos e professor, em que uns e outros possam ter a oportunidade de pensar e de apresentar, de uma forma justificada, as suas ideias.

O trabalho em grupo é entendido de forma diferente pelos dois professores. Enquanto a Mariana sublinha o ambiente de aprendizagem que o agrupamento de alunos possibilita — através do confronto de ideias e da discussão — o Pedro destaca a poupança de tempo, decorrente da divisão de tarefas, e o espírito de cooperação que se pode estabelecer entre os alunos. Contudo, ambos os professores salientam o papel que os alunos podem desempenhar na aprendizagem dos colegas. O Pedro afirma que os alunos "têm mais facilidade em perceber um colega do que o próprio professor" enquanto a Mariana considera que "a linguagem entre eles é mais parecida, logo é mais fácil a comunicação". A participação bem sucedida dos alunos, na aprendizagem dos colegas, em situações em aqueles adoptam o papel do professor, é apontada em outros estudos (Gumperz e Herasimuchuk, 1972). Estes autores atribuem à linguagem a responsabilidade pelas principais diferenças verificadas entre o ensino promovido por uma criança e o que é levado a efeito por um adulto, o que é consistente com as razões invocadas pelos professores deste estudo.

A ideia de que o conhecimento construído na aula de Matemática deve ser validado pelos próprios alunos é referenciada pelos dois professores, por forma a fazer com que aqueles se sintam como parte integrante e decisiva da aula. Esta preocupação com a validação do conhecimento pelos alunos é mais saliente no caso da Mariana, que defende que a mesma pode ser conseguida a partir da justificação e da confrontação de ideias, através do debate que se deve gerar na turma.

Outra ideia que é consensual nos dois professores, embora com nuances diferentes, é a forma como se processa a aprendizagem dos alunos. Ambos defendem que ela ocorre de forma indutiva, isto é, a partir de casos particulares para a generalização, embora a Mariana dê um especial destaque ao papel dos alunos neste processo. Esta professora, comparativamente com o Pedro, concede aos alunos, na aprendizagem da Matemática, uma autonomia maior que se traduz, por exemplo, na valorização das actividades de investigação.

A existência de pré-aptidões dos alunos para a Matemática, que configurem situações facilitadoras da aprendizagem da disciplina, é concebida de forma semelhante pelos professores estudados. Embora considerem o ambiente familiar importante, referem que há alunos que mostram possuir um conjunto de capacidades que lhes facilitam a aprendizagem, mesmo em condições adversas, onde o sucesso escolar não seria de esperar. No entanto, ambos os professores são unânimes em afirmar que não acreditam que essas pré-aptidões se situem ao nível desta ou daquela disciplina. Sublinham que um aluno que mostra uma grande facilidade em aprender, evidencia-o na generalidade das disciplinas escolares. As concepções que os professores evidenciam sobre a existência de pré-aptidões dos alunos para a aprendizagem da Matemática parecem resultar, essencialmente, das suas práticas. Tanto o Pedro como a Mariana, a anteceder a apresentação das suas convicções sobre este aspecto, usam repetidamente expressões como: "Nas aulas tenho encontrado...", "daquilo que tenho visto ..." ou "da minha experiência ...". O facto de os professores não argumentarem com quaisquer perspectivas teóricas sobre a existência de pré-aptidões nos alunos e fundamentarem as suas concepções sobre as práticas da aula, pode significar (pelo menos em alguns aspectos) que os professores constroem as concepções, não a partir de resultados provenientes da investigação científica, mas à custa da reflexão sobre as suas práticas.

A mudança de atitude dos alunos perante a Matemática, passando em alguns casos de uma posição negativa para uma outra mais favorável, é também reconhecida pelos dois professores, embora encarando de modo diferente a forma como ela ocorre. O Pedro acredita que a mudança de atitude de alguns alunos, em relação à disciplina, resulta fundamentalmente do papel do professor. Pensa que é através de uma boa relação professor/aluno que esta mudança de atitude perante a disciplina acontece, a partir da criação de um clima de aula onde os alunos se sintam bem. Esta opinião é também partilhada por Ivone, uma das professoras estudadas por Delgado (1993). A Mariana, por outro lado, pensa que a mudança de atitude dos alunos é explicada pelo cariz das tarefas propostas. Estas últimas, devem constituir situações de aprendizagem ricas, de tal forma que o aluno, através do sucesso que vai tendo e do prazer que vai experimentando nas actividades, construa uma atitude favorável em relação à Matemática. Em síntese, a mudança de atitude perante a disciplina é, no caso da Mariana, intrínseca às tarefas matemáticas, enquanto que no caso do Pedro, ela tem a ver com a qualidade da relação que o professor consegue estabelecer com os alunos. Neste quadro, o Pedro pensa que é possível haver alunos com uma atitude positiva perante a disciplina sem conseguirem ter sucesso. A Mariana, por seu turno, defende que a mudança de atitude está bastante ligada ao sucesso que o aluno pode experimentar através da actividade.

Situações de aprendizagem. (i) Tarefas/actividades e meios. Os professores estudados revelam, em relação às tarefas/actividades, diferentes concepções. Tanto um como outro apresentam sobre este aspecto concepções que são consistentes com aquelas que defendem sobre os objectivos do ensino da Matemática, ou seja, revelam coerência interna entre as concepções. A Mariana, porque considera que o ensino da Matemática deve promover a formação integral do aluno, ultrapassando, em muito, a mera aquisição de um conjunto organizado de conceitos, acredita que as tarefas devem proporcionar aos alunos situações que os levem a investigar. Por este motivo, acredita que estas tarefas não devem ser rotineiras, levando os alunos a descobrirem, a pensarem, a comunicarem as suas ideias, na procura da sua resolução. Embora estas tarefas sejam, na maior parte dos casos, problemas, pois os alunos não dispõem de processos imediatos de resolução, a Mariana não gosta de as apelidar dessa forma, devido ao sentido de grande exigência que a palavra adquiriu. As tarefas matemáticas que o Pedro subscreve não têm este carácter problemático, e os alunos têm uma menor margem de manobra para realizarem investigações. Esta convicção está bastante relacionada com a forma como este professor interpreta o cumprimento do programa e pela maneira como interioriza a influência de factores sociais (determinações do Ministério da Educação ou as expectativas dos encarregados de educação).

As actividades de discussão são bastante valorizadas pela Mariana, tanto nos momentos em que os alunos estão a trabalhar em grupo, como nos momentos plenários de toda a turma. O Pedro não concede o mesmo destaque à discussão entre os alunos, pois pensa que estes têm alguma dificuldade em exprimirem as suas ideias e em respeitarem as dos colegas. A forma diferenciada como os dois professores valorizam as actividades de discussão na aula está relacionada com as visões que apresentam das finalidades do ensino da Matemática e da forma como os alunos aprendem. A defesa que a Mariana faz das actividades de discussão resulta, por um lado, da valorização da componente social da aprendizagem, através da partilha de ideias e, por outro, da forma como sublinha o desenvolvimento da capacidade de comunicar enquanto macro-finalidade do ensino da disciplina. O Pedro, subscrevendo uma forma de ensino mais virada para a aquisição de conhecimentos, não atribui tanto significado às actividades de discussão, até porque estas implicam maior dispêndio de tempo.

Tanto a Mariana como o Pedro pensam que o ensino da Matemática exige a utilização de meios que facilitem a aprendizagem dos alunos. Os materiais, a que o professor recorre, devem ser pontos de partida para a aprendizagem, requerendo dos alunos uma postura activa. Ambos os professores referem serem empobrecedores os materiais que têm como principal objectivo, e às vezes único, a motivação dos alunos. Sublinham que os materiais devem ser manipulados pelos alunos, favorecendo a concretização de diferentes objectivos. É neste ponto que os dois professores divergem, pois o Pedro associa-os preferencialmente à aquisição de conhecimentos e a Mariana ao desenvolvimento de capacidades. A forma como cada um dos professores encara o uso da calculadora na aula de Matemática ilustra as diferenças entre as concepções sobre os meios de ensino. O Pedro acredita que a calculadora vale, essencialmente, na medida em que liberta os alunos do peso esmagador do cálculo. A Mariana além de apontar esta finalidade, sublinha as potencialidades da calculadora na promoção das capacidades de comunicação e de raciocínio.

(ii) Papel do professor. A Mariana considera que o professor de Matemática não é alguém que transmite um conjunto bem organizado de conteúdos. De acordo com os objectivos que defende para o ensino da disciplina, acredita que o professor tem por missão organizar tarefas, destinadas aos alunos, promover a sua realização na aula e, depois, a sua discussão. Neste processo de discussão, o professor deve assumir-se como um pivot, que faz a gestão da participação dos alunos, fornecendo informações que permitam clarificar ideias ou solicitando informações. A formulação de perguntas é assumida como uma técnica importante ao serviço do professor, pois permite conhecer a opinião dos alunos, clarificar intervenções, ou levar os alunos a questionarem-se, favorecendo a auto-reflexão.

Embora o Pedro exclua, claramente, um papel expositivo para o professor, acrescenta que, nos últimos anos, as aulas de Matemática do 2º Ciclo têm visto diminuir a intervenção dos alunos. Afirma que, sem ser expositivo, dirige mais as actividades, isto é, tornou-se num elemento mais actuante, na aprendizagem, em detrimento da actividade do aluno. Acrescenta que os alunos estão a perder terreno nas actividades de descoberta, que são muito mais orientadas e restritas, em virtude daquilo a que chama de "obrigação de cumprir o programa". Esta opinião não é perfilhada pela Mariana, que aponta, curiosamente, um deslocamento do papel do professor no sentido oposto. Afirma que o seu papel mudou nos últimos anos, desempenhando agora o papel de organizadora, gestora e orientadora das acções dos alunos. Assumindo que os alunos são os verdadeiros obreiros do seu conhecimento, acredita que o seu papel na aula é mais o de perguntar do que o de responder, mais orientar do que fazer.

A construção de uma boa relação com os alunos é uma das vertentes que o Pedro sublinha como uma das atribuições do professor. No entanto, a criação dessa relação de empatia com os alunos parece ser exterior às tarefas matemáticas que propõe, isto é, parece ser necessário ao professor estabelecer um bom clima de trabalho — antes de iniciar a aula — para que esta decorra bem. A Mariana procura que os alunos se sintam bem na aula de Matemática, mas esse bem estar deve ser intrínseco às tarefas que propõe e às actividades que os alunos desenvolvem. Assim, a relação afectiva que procura estabelecer com os alunos e as situações matemáticas que lhes procura fazer viver estão bastante conectadas. A relação entre o aluno e o professor está intimamente relacionada com a atitude do aluno para com a disciplina.

Em relação às regras de disciplina, que regem o funcionamento da sala de aula, elas estão implícitas no caso da Mariana, sendo explícitas — logo desde a primeira aula — no caso do Pedro. Este último recorda essas regras sempre que detecta comportamentos desviantes da parte dos alunos. A Mariana procura apelar ao bom senso dos alunos sempre que surgem comportamentos que considera menos adequados para a sala de aula, resolvendo-se estas situações caso a caso. A professora procura fazer intervir os alunos no julgamento dos comportamentos indesejáveis dos colegas, de modo a que essas regras sejam construídas no seio da turma.

(iii) Papel do aluno. O Pedro considera que os alunos desempenham o seu papel, de forma adequada, quando cumprem as indicações que ele fornece logo na primeira aula. Essas indicações que especificam o modo de proceder dos alunos nas aulas podem ser sintetizadas em três pontos: (i) os alunos devem ser responsáveis, realizando os trabalhos que lhes são pedidos; (ii) os alunos devem ser disciplinados; (iii) os alunos devem participar, respondendo às solicitações do professor e dos colegas. A realização dos trabalhos de casa e o estudo do assunto tratado na aula anterior são actividades dos alunos que o professor valoriza e que procura avaliar no início de cada aula. Acrescenta que é um procedimento diário, cujo objectivo é levar os alunos a adquirirem hábitos de trabalho.

A Mariana valoriza, sobretudo, a participação dos alunos nas actividades que são promovidas na sala de aula. Considera que um aluno desempenha bem o seu papel quando: (i) está interessado em resolver uma determinada situação que foi proposta, discutindo com os colegas os processos de resolução e os resultados obtidos; (ii) apresenta e defende as suas ideias perante a turma; (iii) critica a opinião dos colegas, propondo novas soluções. Tanto o Pedro como a Mariana consideram importante o trabalho dos alunos em casa. No entanto, o tipo de tarefas que propõem são diferentes. Enquanto o Pedro pensa que os alunos devem resolver exercícios para consolidarem os conceitos tratados na aula precedente, a Mariana é a favor de tarefas menos rotineiras.

Os professores entendem que a postura activa dos alunos nas aulas vai além da sequência ouvir—>ver—>copiar—>reproduzir, o que é coerente com o papel que defendem para o professor. Contudo, a Mariana pensa que os alunos devem deter bastante liberdade na realização das tarefas que o professor propõe. O envolvimento dos alunos nas actividades de discussão — a que o Pedro chama "diálogo horizontal" — corresponde, para esta professora, a um marco em torno do qual se desenrola toda a actividade dos alunos. Este destaque tem subjacente a ideia da aprendizagem como um processo individual e, simultaneamente, social. O Pedro não concede grande relevo ao envolvimento dos alunos nestas actividades de discussão, o que é consistente com a sua visão do ensino e da aprendizagem da Matemática.

As normas que regulam o funcionamento das aulas são apresentadas pelo Pedro, não tendo os alunos qualquer intervenção na definição das mesmas. Em relação a este aspecto, o papel dos alunos resume-se ao cumprimento das regras previamente definidas. No caso da Mariana, aquelas regras parecem surgir nos momentos em que são necessárias e resultam da vontade do colectivo (alunos e professora). Guimarães (1988) apresenta o caso da professora Julieta, semelhante ao da Mariana, em que "o controlo, mais do que exercido parecia estar instituído. Parecia resultar de um hábito da professora com os alunos" (p. 229).

Concepções Pedagógicas e Modelos Didácticos

Estabelecendo um paralelo entre as concepções dos professores sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática, reveladas neste estudo e em estudos anteriores, é possível tecer algumas considerações.

As concepções dos professores de Matemática sobre os objectivos do ensino da disciplina podem organizar-se em duas categorias, consoante valorizam: (i) a aquisição de conhecimentos; (ii) o desenvolvimento de capacidades e atitudes. Dizer que as concepções dos professores traduzem a valorização de uma ou de outra, é afirmar uma tendência, é procurar identificar as grandes finalidades que estão subjacentes às práticas do professor. O Pedro enquadra-se na primeira das categorias porque é a aquisição de conhecimentos pelos alunos que orienta a sua forma de ensinar. A Rosa, estudada por Delgado (1993), a Isabel e o Fernando, estudados por Canavarro (1993), o Filipe e a Telma, estudados por Guimarães (1988) são casos de professores de Matemática portugueses, para os quais a aquisição de conhecimentos é a ideia central que preside ao ensino. A Mariana, professora estudada neste trabalho, privilegia o desenvolvimento de capacidades nos alunos, podendo enquadrar-se na segunda categoria. Tal como esta professora, a Julieta e a Paula (Guimarães, 1988), a Júlia (Canavarro, 1993), a Ivone e a Isaura (Delgado, 1993) colocam o desenvolvimento de capacidades do aluno como o objectivo fundamental do ensino da Matemática.

Aprender Matemática significa adquirir novos conhecimentos, sobre conceitos prévios, de uma forma sequencial (Pedro) ou um processo de construção individual e social, resultante da interacção do aluno com os outros, da experimentação, da partilha de ideias e da discussão (Mariana). Estas concepções da aprendizagem da Matemática foram encontradas em outros estudos (Canavarro, 1993; Delgado, 1993; Guimarães, 1988).

Os professores revelam concepções sobre os papéis, as tarefas e os meios de ensino que são consistentes com aquelas que apresentaram sobre os objectivos de ensino e da aprendizagem, o que confirma a ideia da interdependência das concepções (Green, 1971, citado por Thompson, 1992).

Tendo em consideração os dados deste estudo e o modelo organizador das concepções pedagógicas do professor, proposto por Thompson (1992), considerou-se o seguinte:

— as concepções pedagógicas do Pedro correspondem à segunda perspectiva (concepções centradas nos conteúdos com ênfase para a compreensão), porque este professor tende a organizar o ensino em função dos conteúdos, embora evidencie uma clara preocupação com a compreensão dos conceitos e das relações que entre eles se podem estabelecer;

— as concepções pedagógicas da Mariana, porque pensa o ensino em função do aluno, valorizando a experimentação, a comunicação e a discussão de ideias, assumindo o professor o papel de orientador da aprendizagem, correspondem à primeira perspectiva (concepções centradas no aluno).

Tomando como modelo de análise a estruturação proposta por Carrillo e Contreras (1994), em que os autores propõem 4 categorias, a que chamam tendências didácticas, para organizar as concepções pedagógicas dos professores de Matemática, considerou-se o seguinte:

— as concepções pedagógicas do Pedro levam a incluí-lo no professor "espontâneo". No entanto, em relação à visão do programa e à forma como percepciona a intervenção dos alunos na estruturação da aula, aproxima-se da tendência "tradicional";

— a Mariana parece enquadrar-se na categoria "investigador", uma vez que defende o ensino da Matemática baseado na resolução de problemas, na investigação e na discussão dos alunos.

Os autores dos modelos das concepções pedagógicas do professor de Matemática (Carrillo e Contreras, 1994; Thompson, 1992) referem que as categorias que propõem pretendem descrever as maiores diferenças entre as formas de ensinar porque, na prática, é difícil enquadrar um professor numa única categoria. Contudo, estes modelos revelam potencialidades diferentes de descrever e organizar os dados recolhidos. Essa diferença reside na ideia que está subjacente a cada uma deles. Enquanto o modelo de Thompson (1992) é sobretudo compreensivo, procurando uma propriedade suficientemente lata mas representativa das concepções pedagógicas do professor, o modelo de Carrillo e Contreras (1994) é extensivo — enumerando um rol largo de características, organizadas segundo vários critérios. Deste modo, o modelo de Thompson (1992) torna-se mais operante na descrição das concepções pedagógicas dos professores, uma vez que se centra num estilo de ensinar e aprender Matemática e não na associação de características particulares.

Importância do Questionamento na Aula de Matemática

 O questionamento é assumido pelos dois professores como uma componente essencial do discurso oral do professor de Matemática, o que confirma resultados de estudos anteriores (Ainley, 1988; Martino e Maher, 1994; Pereira, 1991; Vacc, 1993a, 1993b). O Pedro afirma não ser capaz de imaginar uma aula de Matemática (do 2º Ciclo do Ensino Básico) em que o professor não recorra à formulação de perguntas. Acrescenta que uma aula sem perguntas é uma aula expositiva. A Mariana também concede um grande relevo ao uso que o professor faz da pergunta na aula, considerando-a essencial para a forma como concebe o ensino e a aprendizagem da Matemática. A importância que os professores atribuem à pergunta prende-se, numa primeira análise, com a ideia que têm da participação dos alunos, isto é, os professores acreditam que uma aula com perguntas é uma aula participada. Esta visão que os professores apresentam da pergunta nas aulas é confirmada pelo estudo desenvolvido por Pereira (1991), no qual esta autora sublinha a importância da pergunta na participação dos alunos.

Embora o Pedro e a Mariana atribuam grande importância à pergunta na aula de Matemática, a participação dos alunos — que pensam daí decorrer — é substantivamente diferente, facto que é coerente com a visão que têm da aprendizagem.

Os professores, através de um esforço de reflexão sobre as suas práticas, revelam ter um apreciável grau de consciência do propósito com que formulam as diversas perguntas ao longo da aula — embora a Mariana afirme o contrário, sublinhando que a escolha que faz das perguntas se fundamente, sobretudo, na intuição.

Os dois professores apontam o controlo de conhecimentos como uma das finalidades do questionamento. Embora esta finalidade seja assinalada por ambos, o Pedro concede-lhe um maior destaque, fazendo diversas vezes referência à utilização das perguntas teste, principalmente no início das aulas ou quando se prepara para introduzir novos conhecimentos. Esta ideia do uso das perguntas de controlo de conhecimentos é consistente com a concepção da aprendizagem como um processo sequencial e apoiado em conceitos prévios. Ao invés, a Mariana faz uma referência muito breve à importância deste tipo de perguntas, destacando aquelas que conduzem a actividades de discussão, à comunicação das ideias e ao exercício do pensamento. Ambos os professores referem, também, as perguntas que se destinam a "orientar" os alunos para determinados conceitos, embora aquelas possam assumir formas diferentes em função do modo como cada um concebe a aprendizagem da Matemática.

Tanto o Pedro como a Mariana apontam uma outra finalidade das perguntas, que não corresponde a qualquer solicitação de resposta verbal aos alunos. Trata-se de falsas perguntas que visam a alteração de comportamentos que, do ponto de vista disciplinar, são considerados menos adequados. Os professores afirmam que estas perguntas são importantes nos seus discursos, pois, na maioria dos casos, correspondem a chamadas de atenção que são ordens indirectas. Destas perguntas, sublinham aquelas que o professor coloca aos alunos quando tem a certeza que não estão atentos, por forma a alterar a sua postura. O estudo realizado por Pereira (1991) mostra que as perguntas com propósitos disciplinares têm um grande peso no conjunto das perguntas que os professores formulam nas aulas.

As perguntas que correspondem a pedidos genuínos de informação — perguntas reais — não são apontadas pelos professores deste estudo, o que parece indiciar uma distinção entre aquelas que são características da aula e aquelas que são de uso geral. Como a finalidade mais evidente da pergunta, no dia-a-dia, é o de solicitar uma informação desconhecida, este tipo de perguntas nem sequer é alvo da análise dos professores.

As perguntas que não pressupõem uma resposta verbal dos alunos, como as perguntas reacção ou as perguntas enfatizantes, não são também assinaladas pelos professores estudados, porque provavelmente estes não têm consciência da sua formulação, uma vez que na maioria dos casos funcionam como apoio aos seus discursos.

Em relação às perguntas de resposta do tipo Sim/Não, ambos os professores referem que as evitam porque conduzem a respostas precipitadas e irreflectidas. A necessidade de os alunos pensarem antes de emitirem uma resposta é um aspecto para o qual ambos os professores mostram grande sensibilidade. Deste modo, surge com naturalidade a promoção de um tempo de pausa logo a seguir à formulação das perguntas. Este é um aspecto para o qual o Pedro chama a atenção, uma vez que disso depende a possibilidade de um maior número de alunos se envolverem na tentativa de resposta e de uma forma menos precipitada.

Em síntese, os professores apontam as seguintes finalidades das perguntas da aula: (i) testar conhecimentos; (ii) criar conhecimento; (iii) desenvolver capacidades; (iv) disciplinar os alunos. As perguntas são diferentemente valorizadas pelos dois professores, de acordo com as suas concepções sobre o ensino e a aprendizagem da disciplina. No entanto, ambos os professores associam a pergunta à ideia da aula participada pelos alunos.

 Tipo de Perguntas do Professor na Sala de Aula

A primeira conclusão que ressalta da análise dos dados referentes às práticas dos dois professores, é o número extremamente elevado de perguntas formuladas por cada um deles, facto que vem confirmar resultados de estudos anteriores (Ainley, 1988; Pereira, 1991; Vacc, 1993a, 1993b; Watson e Young, 1986). A grande utilização que cada um dos professores faz das perguntas reflecte a importância que dizem atribuir-lhes na condução da aula de Matemática.

Retomando as duas grandes categorias de perguntas, atrás referidas (Cap. 3), pode afirmar-se: tanto o Pedro como a Mariana formulam perguntas porque pretendem que os alunos apresentem uma resposta verbal, isto é, o número de perguntas verdadeiras é significativamente superior ao número das falsas perguntas; o número de perguntas que não incidem sobre temas da Matemática é bastante significativo, principalmente num dos professores (Pedro). Das perguntas que não incidem sobre temas da Matemática, destacam-se as perguntas funcionais, através das quais os professores procuram, por exemplo, obter informações que consideram necessárias ao funcionamento da aula. Com estas perguntas — que tendem a concentrar-se no início da aula — os professores solicitam informações sobre os alunos que não estão presentes, as razões por que os levam a faltar, o número da lição e sobre outros acontecimentos relativos à aula. As perguntas disciplinares — que correspondem a falsas perguntas sobre conteúdos alheios à Matemática — visam uma resposta dos alunos, mas que não é de carácter verbal. O recurso a este tipo de falsas perguntas é bastante frequente nas aulas dos dois professores, traduzindo-se em ordens/pedidos de mudança de um determinado comportamento que é considerado indesejável. O Pedro, quando formula estas perguntas, junta uma certa dose de ironia e, normalmente, de seguida, recorda as regras de índole disciplinar que apresentou no início do ano. A Mariana utiliza as perguntas disciplinares para fazer com que os alunos tomem consciência de procedimentos incorrectos. A forma como os alunos reagem a estes enunciados, principalmente numa das turmas, é revelador da forma como a disciplina é entendida pela professora. A utilização que ambos os professores fazem das perguntas disciplinares é consentânea com os resultados obtidos por Pereira (1991), que destaca os propósitos disciplinares do questionamento do professor.

As falsas perguntas sobre conteúdos da Matemática têm uma presença muito reduzida no discurso oral dos dois casos. Estas perguntas têm um papel importante no discurso do professor quando é adoptado um estilo expositivo, o que não acontece com nenhum dos casos. O Pedro usa as perguntas de realização para sugerir aos alunos acções a executar. Geralmente, recorre a estas perguntas quando os alunos estão a trabalhar aos pares e o professor se movimenta pela sala, acompanhando-os no seu trabalho.

As perguntas reais, que traduzem pedidos de informação sobre conteúdos da Matemática — informação essa que o professor desconhece — são pouco frequentes e surgem geralmente associadas ao cálculo ou a medições. Tal como estas, as perguntas interdisciplinares aparecem muito pontualmente nos discursos dos professores.

É na utilização das perguntas verdadeiras, relativas a conteúdos da Matemática, que o Pedro e a Mariana revelam diferenças mais acentuadas. O Pedro tende a formular, em relação à outra professora, um número, significativamente, superior de perguntas teste. Estas perguntas ocorrem, sobretudo, no início de cada aula e a anteceder o estudo de novos conceitos. Aquelas que são formuladas no início da aula têm uma dupla função: (i) fornecer informações sobre a aprendizagem dos alunos; (ii) revelar o trabalho dos alunos em casa. As perguntas que surgem a anteceder a introdução de um novo conceito, servem para o professor controlar os conhecimentos prévios, considerados necessários para a nova aprendizagem — "os pré-requisitos" na denominação do Pedro. A utilização da pergunta teste para revelar estes "pré-requisitos" está relacionada com a visão sequencial e hierarquizada da aprendizagem da Matemática. As perguntas teste que a Mariana formula, no início da aula, servem para fazer sínteses da lição anterior. A preocupação com o desenvolvimento da capacidade de comunicação dos alunos é evidente, mesmo nesta fase da aula.

Nos dois professores, o número de perguntas convergentes é superior ao das perguntas divergentes. No entanto, a Mariana recorre com mais frequência à pergunta divergente do que o Pedro, para iniciar actividades em grupo ou para fomentar a discussão. Durante esta fase da aula, pretende que os alunos esclareçam as suas ideias, as justifiquem e as comparem com as dos colegas. Na realização destas actividades, a professora intercala perguntas divergentes com outras convergentes. Estas últimas servem diferentes finalidades: (i) clarificar a pergunta da professora, porque foi de tal modo ambígua que os alunos não reagem; (ii) clarificar uma ideia apresentada por um aluno; (iii) levar o aluno, por associações sucessivas, a tomar consciência de um determinado erro; (iv) orientar o aluno para a compreensão de um determinado conceito. No caso da Mariana, esta última situação surge com alguma frequência no fim das actividades de discussão. Quando um aluno não compreende a resolução do problema (mesmo depois da ajuda dos colegas) a professora elabora então uma sequência de perguntas convergentes, certificando-se de que o aluno está a entender, passo a passo, o processo utilizado.

As diferenças observadas entre os dois professores relativamente ao uso que fazem das perguntas convergentes e divergentes, relaciona-se com o tipo de situações de ensino que cada um deles cria. As tarefas que a Mariana propõe aos alunos, em relação às do Pedro, assumem um carácter mais problemático e investigativo. A forma como são conduzidas pelos dois professores são também diversas.

As perguntas verdadeiras sobre conteúdos da Matemática são utilizadas pelos professores para verificarem conhecimentos (perguntas teste), para criarem novos conhecimentos e para desenvolver capacidades (perguntas de desenvolvimento). Estas grandes finalidades das perguntas relativas a conteúdos da Matemática foram apontadas por diversos autores (Cohen e Manion, 1992; Long, 1992; Pereira, 1991).

 Os Efeitos das Perguntas do Professor na Participação dos Alunos

O estudo dos efeitos das perguntas do professor na participação dos alunos centrou-se naquelas que dizem respeito a conteúdos da Matemática, uma vez que as outras perguntas correspondem a pedidos indirectos de acção ou à solicitação de informações que se relacionam com o processo de ensino-aprendizagem. Por outro lado, a participação dos alunos na aula é entendida como o envolvimento daqueles nas tarefas matemáticas que vão sendo propostas pelo professor.

As perguntas sobre temas da Matemática incluem aquelas em que os alunos são chamados a apresentar uma resposta verbal (perguntas verdadeiras) e as que não são (falsas perguntas). Relativamente às segundas, destacam-se as perguntas de realização, utilizadas sobretudo pelo Pedro, e correspondem a uma sugestão/pedido de execução de uma determinada acção. Estas falsas perguntas surgem quando os alunos estão a trabalhar de forma independente e são, geralmente, seguidas da acção que lhes está subjacente. Neste trabalho de acompanhamento dos alunos, quando estão a trabalhar aos pares, a Mariana recorre com mais frequência às perguntas de reacção, que mais do que sugerirem acções, convidam os alunos a pensar, a comunicar ideias e a reflectir mais sobre o assunto em discussão. Após a formulação deste tipo de perguntas, que representam reacções da professora a afirmações dos alunos, estes tendem a dialogar, a discutir, identificando os erros.

As perguntas de asserção e as enfatizantes, usadas como apoio ao discurso do professor e pouco frequentes nos casos do Pedro e da Mariana, têm como consequência directa a captação da atenção dos alunos para aquilo que está a ser dito no momento.

As perguntas verdadeiras sobre temas da Matemática são aquelas que os professores empregam mais, pelas potencialidades que evidenciam ao nível do envolvimento dos alunos nas tarefas propostas. As perguntas teste originam uma participação mais individualizada dos alunos, não favorecendo as interacções entre os elementos da turma. Os alunos parecem não sentir necessidade de cooperarem uns com os outros, uma vez que estão a ser testados individualmente.

Os dois professores, embora a Mariana consiga um maior nível de concretização, costumam convidar os alunos a pronunciarem-se sobre a validade da resposta apresentada por outro aluno. Neste caso, ou o aluno mostra o seu acordo em relação à opinião do colega, ou debita, em breves palavras, a resposta correcta. Depois de ter sido encontrada a resposta esperada, os professores voltam ao primeiro aluno que não tinha respondido ou tinha dado a resposta errada. Em alguns casos, o Pedro pede ao primeiro aluno para repetir a resposta, o que parece indiciar uma intenção de controlo da atenção do aluno ou um desejo de fazer memorizar a informação em causa.

As perguntas teste, pelas suas características de controlo de conhecimentos, raramente são colocadas pelos professores aos alunos quando estes estão a trabalhar em grupo.

As perguntas de desenvolvimento têm em vista a criação de novos conhecimentos ou o desenvolvimento de atitudes e capacidades. As perguntas convergentes produzem efeitos diferentes nos alunos se são colocadas quando estes estão a trabalhar individualmente ou quando estão organizados em grupos. Na primeira das situações, a tendência é para os alunos responderem imediatamente, embora os professores — sobretudo o Pedro — os alertem para a necessidade de reflectirem sobre a resposta (respeitando o tempo de pausa). Quando as perguntas são colocadas aos grupos, regra geral, os alunos conversam previamente antes de responderem.

As perguntas divergentes, mais usadas pela Mariana do que pelo Pedro, conduzem a situações de discussão entre os grupos. No caso da Mariana, algumas vezes os alunos organizam-se espontaneamente em pequenos grupos para tentarem responder à pergunta colocada pela professora. Por este motivo, os alunos envolvem-se activamente na comunicação das suas ideias, surgindo, com frequência, várias opiniões que vão sendo sucessivamente analisadas. Algumas vezes, talvez pela forma algo ambígua como são colocadas, as perguntas divergentes originam silêncios na turma. A Mariana procura, nestes casos, clarificar mais a pergunta ou formular algumas perguntas convergentes que funcionam como preparação para a questão inicial.

As perguntas divergentes são utilizadas pela Mariana nos momentos de resolução de problemas, principalmente na fase da discussão, e originam normalmente interacções verbais entre grande parte dos alunos da turma.

Em síntese, pode afirmar-se que as perguntas do professor, consoante a sua categoria, produzem nos alunos efeitos diferentes. Relativamente às perguntas sobre conteúdos da Matemática — aquelas que interferem mais directamente na intervenção dos alunos em actividades matemáticas — a pergunta teste conduz a uma participação predominantemente individualizada, não favorecendo as interacções verbais. As perguntas divergentes, sobretudo quando surgem associadas à resolução de problemas, originam situações de discussão. As perguntas convergentes orientam os alunos, quando estão em dificuldades, clarificam perguntas divergentes anteriormente formuladas, evidenciam erros e promovem a evocação de conhecimentos.

As Concepções do Professor e o Tipo de Questionamento

 Este estudo aponta para uma relação de mútua influência entre o pensamento do professor e as suas práticas, ou seja, para uma relação dialéctica. A relação entre as concepções e as práticas destes professores sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática, e as suas práticas, ao nível do questionamento, não parece ser de causa-efeito, isto é, as concepções não determinam as práticas, nem estas aquelas. Esta conclusão situa-se na linha de resultados de trabalhos anteriores (Canavarro, 1993; Carrillo e Contreras, 1994; Delgado, 1993; Ponte, 1992, 1994a; Thompson, 1982, 1984, 1992). A influência das práticas nas concepções pedagógicas é particularmente evidente no caso da Mariana. São essencialmente as práticas bem sucedidas que influenciam as concepções desta professora. A mudança das suas concepções resulta, em grande parte, da reflexão que faz na, e sobre, a prática. Por outro lado, as práticas são influenciadas pela teoria — com a qual a professora toma contacto — e pelas suas próprias concepções anteriores.

A concepção que a Mariana evidencia dos objectivos do ensino da Matemática (correspondendo à valorização da capacidade de comunicação, na qual a pergunta detém um lugar central) resulta da inter-relação do trinómio teoria / prática / concepções, no qual a reflexão assume o papel de charneira. Os resultados da investigação na área da Educação Matemática (em congressos, em revistas e em acções de formação) ao colidirem com as concepções vigentes, levam a Mariana a experimentar nas aulas, confrontando a teoria com a prática. É esta experiência, embebida na reflexão, que mostra potencialidades de alterar as concepções. Por outro lado, são estas concepções recém formadas que vão orientar, em grande parte, as práticas seguintes da professora.

No caso do Pedro, a alteração das suas concepções a partir do confronto da teoria com a prática, parece ser um processo menos activo, embora existam, pontualmente, evidências deste processo.

A pergunta assume um lugar de destaque nas práticas dos professores. O uso que cada um faz da pergunta é consistente com as concepções que apresenta sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática. Esta consistência parece ser reflexo da forma como as práticas, neste caso o recurso à pergunta, se relacionam com as concepções pedagógicas. O grande número de perguntas que qualquer um dos professores formula nas aulas é, por outro lado, consistente com a importância que lhe é atribuída na participação dos alunos.

No caso do Pedro, as concepções que revela sobre os objectivos do ensino da Matemática, em que privilegia a aquisição de conhecimentos, são congruentes com o uso frequente que faz da pergunta teste e da pergunta convergente. A defesa que a Mariana faz de um ensino da Matemática onde os alunos possam construir o seu conhecimento, em interacção, desenvolvendo atitudes e capacidades, é consistente com a sua prática de formular mais perguntas divergentes e menos perguntas teste. A utilização que faz das perguntas convergentes, intercaladas entre perguntas divergentes, de forma a promover a discussão, é coerente com as concepções pedagógicas que evidencia.

A natureza tácita e inconsciente das concepções dos professores é evidenciada, neste estudo, a propósito das finalidades do questionamento na aula de Matemática. Os professores mostram algumas dificuldades, que chegam mesmo a verbalizar, em explicar as razões que justificam o recurso a diferentes tipos de perguntas. No entanto, num esforço de consciencialização, os professores conseguem apresentar algumas finalidades que reflectem as suas concepções sobre o ensino e a aprendizagem da disciplina.

Este estudo revela a influência de factores de carácter social nas concepções e nas práticas dos professores. As opiniões dos encarregados de educação, dos outros professores da escola, dos órgãos directivos, as determinações do Ministério da Educação e das associações profissionais, são os principais elementos que interferem nas concepções e nas práticas dos professores. Esta influência coloca-se de maneira diferente nos dois professores. Enquanto a Mariana assume, por norma, uma postura reflexiva sobre essas influências sociais, confrontando-as com as suas concepções e práticas, de modo a integrá-las na sua forma de pensar e agir, o Pedro tende a acomodar-se à situação. Esta dualidade na forma de o professor abordar os problemas que se lhe colocam no seu dia-a-dia foi também apontado por Ponte (1992). No caso da Mariana, a influência da associação profissional a que pertence e onde tem uma postura activa, é particularmente visível, na medida que cria oportunidades para novas experiências. Assim, embora o Pedro afirme que é importante o professor colocar perguntas divergentes que facilitem a discussão entre os alunos — concepção que manifesta — quando é chamado a reflectir sobre as suas práticas, apresenta situações onde as perguntas teste e as perguntas convergentes são as mais comuns. Convidado a explicar esta diferença, o professor argumenta com as determinações do Ministério sobre o cumprimento dos programas.

No Pedro, parece haver um conflito entre as suas posições individuais e os factores sociais. Relativamente a este conflito, Gimeno (1991) sublinha que nem sempre as exigências sociais coincidem com as interpretações que o professor faz de uma situação.

A influência do contexto social onde decorre o ensino, na relação entre as concepções e as práticas, pelos obstáculos ou oportunidades que cria, foi também defendida por Ernest (1988).

A reflexão que a Mariana faz sobre as novas orientações do ensino e da aprendizagem da Matemática e o confronto que promove com a prática é determinante no seu desenvolvimento profissional. A alteração das suas concepções ocorre, fundamentalmente, deste vai-vém teoria/prática, assente nas concepções anteriores e dinamizado pela reflexão. Esta conclusão é concordante com a opinião expressa por Matos (1992) sobre a relação entre as concepções e as práticas.

A reflexão sobre as concepções e as práticas assume no Pedro, neste momento, uma menor dimensão. Este professor apresenta alguns exemplos em que a reflexão terá sido mais sistemática e geradora de mudança de concepções (a utilização da calculadora e a experiência pedagógica que realizou). No entanto, a reflexão sistemática parece não ser o factor mais importante que influencia as suas concepções e as suas práticas. Esta será mais uma razão que permite compreender o lapso entre as suas concepções manifestadas e as activas. Pelo contrário, a Mariana revela uma grande aproximação entre estas concepções, o que parece resultar desse maior grau de reflexão que caracteriza a sua forma de estar na profissão. A importância que a reflexão desempenha nas concepções e práticas dos professores foi apontada por outros autores (Ernest, 1988; Thompson, 1992).

As práticas assumem, principalmente no caso da Mariana, um papel importante na construção dos conhecimentos do professor de Matemática. A sala de aula não é, para esta professora, um lugar só para ensinar, mas também para aprender.

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